Poderes

Militares são relegados ao segundo plano pelo presidente Jair Bolsonaro

Fardados ainda mantêm domínio sobre áreas estratégicas como a Petrobras e Itaipu

Nenhum presidente da República ousou interferir nas Forças Armadas como Bolsonaro

Nenhum presidente da República ousou interferir nas Forças Armadas como Bolsonaro Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A nomeação de Ciro Nogueira para comandar a Casa Civil consolidou o avanço do centrão sobre a ala militar do Palácio do Planalto. Agora, líderes partidários querem mais espaço no governo Jair Bolsonaro (sem partido), enquanto a maioria tenta enterrar o voto impresso, uma obsessão do presidente. O centrão é a força hegemônica entre os ministros que despacham a poucos metros do gabinete presidencial. Além de Ciro, senador licenciado do PP-PI, ocupam o Planalto Flávia Arruda (Secretaria de Governo), deputada licenciada do PL-DF, e Fábio Faria (Comunicações), deputado licenciado do PSD-RN.

Os militares foram relegados ao segundo plano. Amigo de longa data de Bolsonaro, o general Luiz Eduardo Ramos foi deslocado para uma pasta esvaziada, a Secretaria-Geral, e o general Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), tem sido menos acionado nas decisões estratégicas do governo.

A perda de terreno dos fardados não se limita ao Planalto. Eles também foram alijados de postos que coordenavam as ações do governo contra a pandemia da Covid-19.

O general da ativa Eduardo Pazuello e equipe de militares deixaram o Ministério da Saúde em março, sob fortes críticas, e ainda entraram na mira da CPI da Covid no Senado. Sob Marcelo Queiroga, a pasta se tornou mais receptiva aos pedidos de liberação de emendas e de nomeações feitos pelo Congresso, sobretudo pelo centrão. Os militares, contudo, ainda mantêm domínio sobre áreas estratégicas do governo, como o comando da Petrobras e de Itaipu. Porém, o grupo de partidos da base do presidente já mira em outros postos para ampliar a influência.

Os atuais alvos são os Ministérios do Turismo e do Meio Ambiente, que não são chefiados por fardados. Os ministros das pastas são, respectivamente, Gilson Machado e Joaquim Álvaro Pereira Leite, que substituiu Ricardo Salles. Além das duas pastas, outra área chama a atenção do centrão: o Orçamento federal. Ali está a chave para o pagamento de emendas parlamentares e liberação de recursos. Após o desmembramento do Ministério da Economia com a criação da pasta do Trabalho e da Previdência para alocar Onyx Lorenzoni, despejado da Secretaria-Geral para abrir vaga a Ramos, o centrão busca mais um naco do poder de Guedes. Querem a recriação do Ministério do Planejamento.

Além de ministérios, apadrinhados do centrão já vinham à frente de áreas cobiçadas pelo Congresso no segundo escalão do governo, como o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro no Senado, e com indicados do PL nas diretorias, o órgão gastou R$ 26 bilhões em 2020 em ações como entrega de livros, de ônibus escolares e repasse diretos a escolas de todo o país.

O centrão também domina postos responsáveis por recursos para obras de infraestrutura. Indicado pelo Republicanos, o advogado Tiago Pontes Queiroz é o secretário de Mobilidade, responsável por executar a maior parte das emendas parlamentares destinadas ao MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional).


Na Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba), o diretor-presidente, Marcelo Andrade Moreira Pinto, foi indicado pelo DEM. Já o diretor de Revitalização de Bacias Hidrográficas, Davidson Tolentino, é próximo de Ciro. Neste ano, o orçamento do órgão é de R$ 1,7 bilhão.

As concessões já feitas por Bolsonaro, como indicações de aliados do centrão em postos-chave e a nomeação de Ciro para a principal pasta do Planalto, são uma jogada robusta do presidente para assegurar o apoio de partidos, de olho na eleição de 2022, e da base de congressistas ao seu governo.

Atrás nas pesquisas eleitorais, Bolsonaro tenta manter esses apoios, enquanto faz sucessivas ameaças golpistas, colocando em dúvida a realização do pleito caso não seja alterado o sistema de votação –de urna eletrônica para urna com voto impresso. O presidente, em live semanal na quinta-feira (29), admitiu que não tem provas de fraudes nas urnas e divulgou um conjunto de relatos já desmentidos. A entrega da Casa Civil a Ciro não garantiu apoio expresso do centrão ao voto impresso. Líderes do grupo devem avaliar na próxima semana, em reunião com o ministro, se vale a pena apostar na pauta. Bolsonaro tentou ressuscitar a ideia, mas o Planalto já admite que é inviável a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) do voto impresso na comissão especial na Câmara que avalia a matéria.

Para valer para as eleições de 2022, a proposta teria de ser promulgada até o início de outubro. Na sexta-feira (30), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também um líder do centrão, descartou a aprovação da proposta. "A questão do voto impresso está tramitando na comissão especial, o resultado da comissão impactará se esse assunto vem ao plenário ou não. Na minha visão, tudo indica que não", afirmou. O presidente e sua tropa de choque bolsonarista atribuem o cenário desfavorável à PEC ao que consideram uma interferência do presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministro Luís Roberto Barroso, que se tornou alvo de críticas e xingamentos.

Bolsonaro ainda disse que existe um complô para eleger o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera pesquisas para 2022. Aliados de Bolsonaro ligados ao centrão dizem, reservadamente, que o presidente precisa baixar o tom e deixar de lado as acusações sobre fraudes em eleições. A expectativa de moderar o mandatário não é nova, e tanto militares como lideranças do Congresso já se frustraram. Nesse contexto, a nomeação de Ciro para a Casa Civil foi uma questão de sobrevivência política para Bolsonaro, segundo aliados.

A prioridade para articuladores políticos e dirigentes de siglas que pretendem apoiar a reeleição é a reformulação do Bolsa Família e outras medidas que impulsionem a recuperação da economia em 2022, após a vacinação da população contra a Covid-19. A aposta é que, com um programa de forte apelo popular e uma economia aquecida, o presidente deve conseguir recuperar a popularidade. O grupo de legendas fisiológicas, porém, era frequentemente criticado pelo então presidenciável em 2018.

O episódio que marcou o discurso contra a velha política na campanha foi protagonizado por Heleno. "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou o general em um ato partidário de 2018. Em sua versão, ele cantou "centrão" no lugar de "ladrão". Pouco mais de dois anos depois, o discurso mudou radicalmente. "Eu nasci de lá [do centrão]", afirmou Bolsonaro no dia 22 deste mês. "Eu sou do centrão."

Veja o que Bolsonaro já disse sobre o centrão

"Eu nasci de lá [do centrão]"
Em 22 de julho de 2021

"O centrão é um nome pejorativo. Eu sou do centrão. Eu fui do PP metade do meu tempo. Fui do PTB, fui do então PFL. No passado, integrei siglas que foram extintas, como PRB, PPB"
Em 22 de julho de 2021

"Vocês sabem que as pressões são enormes porque a velha política parece que quer nos puxar para fazer o que eles faziam antes. Nós não pretendemos fazer isso"
Em março de 2019

"Qual é a nossa proposta? É indicar as pessoas certas para os ministérios certos. Por isso, nós não integramos o centrão, tampouco estamos na esquerda de sempre"
Durante a campanha de 2018

Fonte: Estadão Conteúdo

Dê sua opinião: