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Ministro Kassio Nunes libera cultos e missas no auge da pandemia da Covid-19

A decisão impede estados, Distrito Federal e municípios de editar ou de exigir o cumprimento de decretos ou atos administrativos locais

Celebração com o arcebispo Dom Jacinto Brito

Celebração com o arcebispo Dom Jacinto Brito Foto: Assessoria

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Kassio Nunes Marques decidiu pela liberação da realização de cultos, missas e demais celebrações religiosas no país, em meio a medidas restritivas para a Covid-19.

A decisão foi publicada neste sábado (3), depois que a (Anajure) Associação Nacional de Juristas Evangélicos entrou com uma ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental na Corte).

A decisão impede estados, Distrito Federal e municípios de editar ou de exigir o cumprimento de decretos ou atos administrativos locais que proíbam completamente a realização de celebrações religiosas presenciais, por motivos ligados à prevenção da Covid-19.

Porém, estabelece que sejam aplicados nestes eventos os protocolos sanitários de prevenção relativos à limitação de presença (no máximo, 25% da capacidade). Além disso, exige medidas como distanciamento social (com ocupação de forma espaçada entre os assentos e modo alternado entre as fileiras de cadeiras ou bancos) e observância de que o espaço seja arejado (com janelas e portas abertas, sempre que possível).

Acrescenta a obrigatoriedade quanto ao uso de máscaras, disponibilização de álcool em gel nas entradas dos templos, aferição de temperatura, fixadas estas como balizas mínimas, recomendando-se também outras medidas profiláticas editadas pelo Ministério da Saúde; "sem prejuízo da possível e gradativa mitigação das restrições pelo Poder Executivo, conforme haja evolução positiva no tratamento e combate à pandemia". "Reconheço que o momento é de cautela, ante o contexto pandêmico que vivenciamos. Ainda assim, e justamente por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa, responsável, entre outras funções, por conferir acolhimento e conforto espiritual", disse o ministro.

O ministro também defendeu, em sua decisão, "o caráter filantrópico promovido por tais instituições". Ele afirmou que muitas delas fornecem alimentação e abrigo à população mais carente "cuja necessidade mais se destaca no atual contexto" e "é elemento essencial para enfrentarmos os reflexos da pandemia". O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) noticiou a medida em seu perfil no twitter: "Celebrações religiosas: Min. Nunes Marques/STF concede medida cautelar para o fim de determinar que: estados, DF e municípios se abstenham de editar ou exigir o cumprimento de decretos ou atos administrativos locais que proíbam a realização de celebrações religiosas presenciais", disse.

Em seu pedido vitorioso, a associação de juristas evangélicos alegou que decretos estaduais e municipais que impediram celebrações deste caráter feriram o direito fundamental à liberdade religiosa e o princípio da laicidade estatal. A AGU (Advocacia-Geral da União) havia sustentado a ilegitimidade da Anajure de ingressar com tal ação. O advogado-geral da união substituto Fabrício da Soller argumentou que o estatuto da associação não menciona quais profissionais poderiam integrar no grupo e que, por isso, a autora "sequer constitui uma entidade de classe".
"Além de heterogênea, a autora não comprovou que sua atuação ocorre em âmbito nacional. Nos termos da jurisprudência dessa Suprema Corte, reputa-se de caráter nacional somente a entidade que demonstre reunir membros ou associados em pelo menos nove estados da federação", disse.

Por outro lado, Nunes argumentou que o pedido da associação guarda relação fundamental com seus objetivos essenciais, consistentes na proteção da liberdade religiosa. Também citou decisão anterior do ministro Marco Aurélio que aceitou a legitimidade da ação. Nunes acrescentou que a ação não foi ajuizada unicamente contra um decreto municipal, mas que "o problema é mais amplo e tem a ver com a reação do Poder Público em diferentes locais do país à epidemia de Covid-19, atraindo, assim, aspectos federativos que reclamam uma solução nacional e uniforme".

Padre Júlio Lancelotti, da Pastoral de Rua de São Paulo, indaga de quem partiu tal pedido ao STF. "Só pode ser de alguém que coloca o lucro acima da vida". Ao ser informado de que o ministro Kassio acatou o pedido de um grupo de jurístas evangélicos, afirmou: "Será que esses advogdos pediram também a liberação imediata do auxílio emergencial? Será que eles pediram também a vacinação em massa da população?".Para o padre, é absurda a realização de missas e cultos nesse momento crítico da pandemia. "Não adianta ter culto religoso e não ter dignidade da vida".

Ele falou com a Folha logo após celebrar a Vígilia Pascal online, seguida por 4.000 fieis remotamente. "O conforto espiritual é levado dessa maneira". As missas de domingo são seguidas por até 15 mil pessoas. "Nunca celebrei uma missa presencial para esse quantidade de fiéis", compara. Ele reafirmou que aqueles que desejam igrejas abertas em plena pandemia estão pensando mais na questão econômica. "Religião náo é para lucrar, é para servir, para cuidar", conclui.

O pastor Silas Malafaia, presidente da Assembléia de Deus Vitória em Cristo, festejou a decissão do ministro Kassio Nunes. Em um primeiro post no Twitter, ele alertava pastores e líderes religosos de que "estavam liberados cultos presenciais com normas sanitárias até o julgamento do pleno". Em seguida, o pastor chamou de "inescrupuloso" e "bobalhão"o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, que não pretende acatar a decisão e exigir o cumprimento do decreto municipal que proibi missas e cultos na capital mineira neste momento crítico da pandemia.
Mais cedo, o pastor Silas Malafaia foi parar entre os assuntos mais comentados do Twitter, na manhã deste sábado (3), após compartilhar vídeo onde o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, vestido com uma balaclava, ensina a usar armas e instrumentos de torutura contra os "que querem fechar as igrejas".

?O prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), disse que, mesmo com a decisão do ministro, não liberará os cultos na cidade. "Em Belo Horizonte, acompanhamos o Plenário do Supremo Tribunal Federal. O que vale é o decreto do Prefeito. Estão proibidos os cultos e missas presenciais", escreveu no twitter. Também pelo Twitter, o deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), pastor e presidente da Assembléi de Deus Ministério Catedral do Avivamento, também criticou o prefeito de Belo Horizonte, aletando que descumprir decisão judicial é crime.
"Alguém avise ao Prefeito de BH @alexandrekalil q descumprir decisão judicial é crime previsto no art.330 do Código Penal. Decisão judicial ñ se discute, se cumpre! A decisão é pública e já está valendo em todo o território nacional! "Cumpra-se, com urgência", escreveu o ministro.

O deputado evangélico também mando recado para os demias membros do STF. "Supremo colhendo o que plantou. Afinal, se disseram que decisão de prefeito valia mais do que a do Presidente da República, agora prefeito também acha que manda mais do que ministro do STF. Semearam a insegurança jurídica e colheram a anarquia!"

Para Daniel Wang, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas, a primeira coisa que chama a atenção na decisão é que fala que não se pode fechar culto religioso. Segundo ele, um equivoco do ministro, já que a Lei 13.979, que trata da Covid-19, permite que autoridades municipais e estaduais imponham restrições a atividades, como isolamento e quarentena.
"Pode ter uma discusão se atividade religiosa deveria ser tratada como serviço essencial e por isso ser aberta na pandemia. Mas o problema é um ministro do STF em uma decisão liminar, de um indivíduo, passar por cima da autoridade municipal e estadual em um momento de uma crise sanitária enorme, quando estados e municípios decidiram que era imporante restrigir os cultos religiosos."

"É uma demanda no mínimo controversa e ilegítima, que não poderia ter atendida por uma decisão indivigual", diz Wang. "Juridicamente a liminar é absurda e irresponsável, pois permite aglomeração que vai agravar a pandemia".

Segundo o professor, é muito claro que não é uma demanda legítima, pois existe lei que dá poder as autoridades e também jurisprudência do próprio supremo no sentido de que estados e municípios têm poder também para determinar o que entendem por serviços essenciais." ?

Ele também alerta para o fato de que não há perigo na demora que justificasse uma liminar. "Não tinha por que conceder uma liminar a essa hora da noite. É desleal com os colegas da Corte, porque é uma decisão que tinha de ser colegiada."

Fonte: Folhapress

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