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Folha de São Paulo acusa Bolsonaro de se comportar como chefe de bando

"Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária", escreveu a Folha

Deputado federal Eduardo Bolsonaro dá banana para deputadas no Plenário da Câmara

Deputado federal Eduardo Bolsonaro dá banana para deputadas no Plenário da Câmara Foto: Reprodução/Revista Fórum

Depois que o papai presidente insultou a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, na terça-feira (18), durante entrevista em frente ao Palácio do Alvorada, o filho de Jair, deputado federal Eduardo Bolsonaro, repetiu o gesto ofensivo, marca registrada do presidente, e deu “banana” para deputadas federais que assinaram uma nota de repúdio à ofensa de cunho sexual contra a repórter da Folha. O jornal publicou editoral nesta quarta-feira (19), acusando o presidente Bolsonaro de se comportar como chefe de bando. 

Patrícia Mello é autora de reportagem de dezembro de 2018, que denunciou o disparo de mensagens no WhatsApp para beneficiar Bolsonaro e outros políticos durante as eleições daquele ano. A jornalista foi ofendida pelo presidente na terça-feira.

Houve inúmeras reações às sucessivas agressões à imprensa, aos adversários políticos, inclusive a governadores do Nordeste.  A PM da Bahia foi acusada de torturar e executar o miliciano Adriano Nóbrega, denunciado por “rachadinha” no gabinete do então deputado Flávio Bolsobaro, hoje senador, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

“Quem é responsável pela morte do capitão Adriano? A PM da Bahia, do PT. Precisa falar mais alguma coisa?”, acusou Bolsonaro.

Escritório do Crime
Eduardo Bolsonaro empregava a mãe e a ex-mulher de Adriano Nóbrega, apontado como o chefe do “Escritório do Crime”, um grupo de milicianos acusado de vários crimes no Rio, inclusive execuções.

Em 2005, Adriano recebeu a Medalha Tiradentes, a maior honraria da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), por iniciativa do deputado Eduardo, a pedido do pai Bolsonaro, segundo o próprio assumiu nesta semana. 

Bolsonaro tem insinuado que as investigações na Bahia podem estar sendo forjadas. “Quem fará a perícia nos telefones do Adriano? Poderiam forjar trocas de mensagens e áudios recebidos? Inocentes seriam acusados do crime”, antecipou-se.

Reações
"Um presidente não é inimputável. Ele pode não responder pelos atos que cometeu antes de assumir. E essa prerrogativa existe para proteger a Presidência em si e não a pessoa que ocupa o cargo. Mas Bolsonaro entendeu que entre os seus poderes está o de dizer o que lhe vier à cabeça, agredindo qualquer brasileiro, grupo social ou instituição. Contra isso existem os freios e contrapesos, para que um Poder alerte o outro dos excessos cometidos. O problema no Brasil neste momento é que o presidente radicalizou, exibe uma agressividade descontrolada, e os outros poderes se encolheram diante desse extremismo", escreveu a jornalista Miriam Leitão, na sua coluna no jornal O Globo, do Rio.

O jurista Miguel Reale Júnior entende que Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade ao ofender – com ataques de cunho sexual - a jornalista Patricia Campos Mello, da Folha de São Paulo, na última terça-feira (18).

“Bolsonaro desrespeitou a jornalista, a mulher e o ser humano. É algo que ofende mais profundamente a dignidade humana, e não só o decoro. Sem dúvida, isso se enquadra como crime de responsabilidade”, afirmou Reale Jr. à revista Veja.

“Agora, ele rompeu com todos os limites. De forma afrontosa, rompeu com o que se exige de qualquer pessoa e não só de um Presidente da República. Foi asquerosa a menção chula que ele fez ao dizer que a jornalista quis dar o furo”, avaliou o jurista.

Elites

Apontado como pré-candidato das elites à Presidência da República, o apresentador Luciano Huck, eleitor declarado de Bolsonaro nas eleições de 2018, condenou o ataque à jornalista da Folha.

"Tenho evitado comentar declarações públicas de quem quer q seja. Seja porque torço pelo Brasil, seja porque não quero alimentar fofocas e intrigas. Mas as fronteiras da decência foram ultrapassadas hoje. Triste e revoltante ao mesmo tempo", escreveu Huck, botando mais lenha na fogueira do caldeirão de Brasília, que ferve com as denúncias contra o clã Bolsonaro. "Respeito é a base de qualquer sociedade e pilar da democracia. Atiçar a violência contra a mulher e atacar o jornalismo independente são desserviços monstruosos. Meu apoio à mulher e jornalista [Patrícia] @camposmello", acrescentou o apresentador.

Banana

Na sessão de ontem (18), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) protagonizou mais uma cena de machismo e indecência, um atentado violento ao pudor ao dar uma banana para as congressistas que assinaram uma nota de repúdio ao pai, Jair Bolsonaro, documento lido na tribuna da Câmara Federal pela líder do Psol, Fernanda Melchionna (RS).

"Em nome das mulheres, uma banana. Uma banana", gritou da tribuna, repetindo o gesto que o “papai” já repetiu várias vez para jornalistas.

A oposição reagiu de pronto chamando Eduardo Bolsonaro de fascista. "Não vão nos calar. Pode gritar à vontade, mas só raspa o sovaco se não dá um mau cheiro do caramba.", insultou o deputado.

Folha
A íntegra do editorial da Folha:

“Sob ataque, aos 99. Bolsonaro reincide na ofensiva ao jornalismo; alvo é o edifício constitucional

Ao completar 99 anos de fundação, esta Folha está mais uma vez sob ataque de um presidente da República. Jair Bolsonaro atiça as falanges governistas contra o jornal e seus profissionais, mas seu alvo final não é um veículo nem tampouco a imprensa profissional. Ele faz carga contra o edifício constitucional da democracia brasileira.

Frustraram-se, faz tempo, as expectativas de que a elevação do deputado à suprema magistratura pudesse emprestar-lhe os hábitos para o bom exercício do cargo. É a Presidência que vai se contaminando dos modos incivis, da ignorância entranhada, do machismo abjeto e do espírito de facção trazidos pelo seu ocupante temporário.

O chefe de Estado comporta-se como chefe de bando. Seus jagunços avançam contra a reputação de quem se anteponha à aventura autoritária. Presidentes da Câmara e do Senado, ministros do Supremo Tribunal Federal, governadores de estado, repórteres e organizações da mídia tornaram-se vítimas constantes de insultos e ameaças.

Há método na ofensiva. Os atores agredidos integram o aparato que evita a penetração do veneno do despotismo no organismo institucional. Bolsonaro não tem força no Congresso nem sequer dispõe de um partido. Testemunha a redução de prerrogativas da Presidência, arriscada agora até de perder o pouco que lhe resta de comando orçamentário.

Escolhe a tática de tentar minar o sistema de freios e contrapesos. Privilegia militares com verbas, regras e cargos, e o exemplo federal estimula o apetite de policiais nos estados. Governadores são expostos por uma bravata presidencial sobre preços de combustíveis a um embate com caminhoneiros.

Pistoleiros digitais, milicianos e uma parte dos militares compõem o contingente dos sonhos do presidente para compensar a sua pequenez, satisfazer a sua índole cesarista e desafiar o rochedo do Estado democrático de Direito.

Não tem conseguido conspurcar a fortaleza, mas os choques vão ficar mais frequentes e incisivos caso a resposta das instituições esmoreça. A democracia é o regime da responsabilidade, o que implica a necessidade de punir a autoridade que se desvia da lei.

Defender o reemprego de um ato que fechou o Congresso Nacional, como fez o deputado Eduardo Bolsonaro ao invocar o AI-5, não deveria ser considerado deslize menor pelos colegas que vão julgá-lo no Conselho de Ética.

As imunidades para o exercício da política não foram pensadas para que mandatários possam difamar, injuriar e caluniar cidadãos desprovidos de poder, como está ocorrendo. Dignidade, honra e decoro são requisitos legais para a função pública. O presidente que os desrespeita comete crime de responsabilidade.

Ao entrar no seu centésimo ano, a Folha está convicta de que o jogo sujo encontrará a resposta das instituições democráticas. Elas, como o jornalismo, têm vocação de longo prazo. Jair Bolsonaro, não".

Abraji
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Observatório da Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil também divulgaram nota de repúdio à declaração de Jair Bolsonaro.

A íntegra da nota:

“Abraji e Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB repudiam ataque machista de Bolsonaro a repórter da Folha de S. Paulo

A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e o Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) prestam solidariedade à repórter Patricia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, que nesta terça-feira (18.fev.2020) foi novamente atacada pela família Bolsonaro, dessa vez pelo próprio presidente da República.

A Abraji e a OAB repudiam veementemente a fala do presidente. O desrespeito pela imprensa se revela no ataque a jornalistas no exercício de sua profissão.

Na manhã desta terça, durante conversas com jornalistas em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente deu a entender que a jornalista Patricia Campos Mello teria se insinuado sexualmente para conseguir informações sobre o disparo de mensagens em massa durante a campanha eleitoral de 2018.

A ofensa propagada por Jair Bolsonaro faz referência ao depoimento de um ex-funcionário de uma empresa de marketing digital dado à CPMI das Fake News, no Congresso. Ao ser ouvido por congressistas, Hans River do Rio Nascimento afirmou que a repórter especial da Folha de S. Paulo ofereceu-se sexualmente em troca de informação.

Naquele mesmo dia (11.fev.2020), o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, replicou o absurdo em falas públicas e nas redes sociais. A Abraji se manifestou sobre a tentativa de abalar a honra de uma das mais respeitadas profissionais do país. Outras mobilizações espontâneas da sociedade, incluindo a OAB, também condenaram a ação de um agente público contra profissionais de imprensa.

Com sua mais recente declaração, Bolsonaro repete as alegações que a Folha já demonstrou serem falsas. Na mesma entrevista, Bolsonaro chegou a dizer aos repórteres que deveriam aprender a interpretar textos, assim ofendendo todos os profissionais brasileiros, não apenas a repórter da Folha. As declarações foram transmitidas ao vivo na página de Bolsonaro no Facebook.

Em nota, a Folha de S. Paulo repudiou o episódio. “O presidente da República agride a repórter Patrícia Campos Mello e todo o jornalismo profissional com a sua atitude. Vilipendia também a dignidade, a honra e o decoro que a lei exige do exercício da Presidência”, diz trecho do texto.

Os ataques aos jornalistas empreendidos pelo presidente são incompatíveis com os princípios da democracia, cuja saúde depende da livre circulação de informações e da fiscalização das autoridades pelos cidadãos. As agressões cotidianas aos repórteres que buscam esclarecer os fatos em nome da sociedade são incompatíveis com o equilíbrio esperado de um presidente.

Diretoria da Abraji e Observatório da Liberdade de Imprensa da OAB, 18 de fevereiro de 2020.”

Fonte: Paulo Pincel com informações do O Globo/Veja/Folha/Abraji

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